Do toque de um ‘anjo’ à conquista de medalha parapan-americana: conheça a história do tenista Daniel Rodrigues

Publicado em 10/04/2018 por

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A mudança na vida de Daniel Rodrigues aconteceu após um torneio de esportes, disputado na escola em Santa Luzia, município pertencente à Região Metropolitana de Belo Horizonte. Ao se destacar jogando basquete e peteca contra alunos sem deficiência física, o aluno chamou a atenção do seu professor e foi indicado para começar a praticar esportes numa entidade chamada Tênis Para Todos.

A partir disso, a vida do atleta mudou por completo. São anos de carreira e desde 2009 ele representa a Seleção Brasileira. No seu currículo, como grande destaque, está a medalha de prata conquistada no Parapan de 2015, nas duplas. Em entrevista ao Observatório do Esporte, Daniel falou sobre a carreira, os desafios e o momento do esporte paralímpico no Brasil.

Como você conheceu o tênis e como foi o começo da sua carreira no esporte?
Eu comecei através de um professor de História que eu tive, quando estudava na E.E. Geraldo Teixeira da Costa em Santa Luzia/MG, esse professor chama Mário, ele me colocou no esporte paralímpico e simplesmente sumiu, nunca mais eu encontrei ele. Foi como um anjo que apareceu só para fazer o bem para mim e sumiu. O pai desse professor é cego e foi com ele que o Mário pediu uma indicação de uma ONG que mexia com esporte paralímpico, isso foi no final de 2005 e essa ONG chamava tênis para todos, que era em Belo Horizonte.

Daniel representa a Seleção Brasileira desde 2009. (Foto: Gabriel Heusi)

Daniel representa a Seleção Brasileira desde 2009.                    (Foto: Gabriel Heusi)

Já viveu alguma situação difícil que acredita ter superado com a ajuda do esporte? Pode nos contar sobre?
Acho que a situação mais difícil foi a amputação da minha perna, em setembro de 2013. Foi através do esporte que eu tive coragem de fazer isso. Nasci com a má formação na perna direita e em 2013 eu já jogava torneios nacionais e internacionais, quando voltei me contaram da possibilidade de amputar, mas nunca tive coragem. Fiz acompanhamento, passei por psicólogo, mas tinha medo de que algo desse errado e que isso me desse mais problemas. Chegando de uma viagem dos Estados Unidos saiu uma vaga para a amputação e todos me aconselhavam a amputar. Nunca tinha pensado, com medo de complicações. Acho que esse desafio enfrentei e venci com a ajuda do esporte.

O que o esporte representa em sua vida hoje?
O esporte sempre representou muitas coisas boas na minha vida. Então tudo o que eu tenho e sou, sou grato ao esporte. Eu tive que superar muitas coisas, muitas dificuldades, então poderia estar vivendo uma outra vida e através do esporte consegui dar a volta por cima e hoje sou atleta referência no Brasil, já fui em mais de 20 países por causa do esporte, casei por causa do esporte também – conheci minha esposa fisioterapeuta por causa do esporte. Então me deu e está me dando muitas coisas boas. Então, tenho que agradecer a Deus pelas coisas que consegui e pela garra que eu tenho, porque tenho que buscar, não tem nada que é fácil. Se você não acreditar e não ver que é possível, você não tem nada. O esporte para mim é grande parte da vida, porque é o que me move.

Atualmente, o tenista é o 17º colocado no ranking da Federação Internacional de Tênis (Foto: Arquivo Pessoal)

Atualmente, o tenista é o 17º colocado no ranking da Federação Internacional de Tênis (Foto: Arquivo Pessoal)

Você tem algum ídolo no esporte? Se responder sim, qual? Se não, o que te inspira?
Ídolo mesmo acho que não tenho não. Eu comecei muito tarde no esporte, com 19 anos e eu conheci um esporte mais elitizado. Nunca acompanhei de fato. Existia o Guga, mas eu não o acompanhava porque não tinha acesso o tênis. Passei a conhecer depois de velho, hoje a minha inspiração é tudo o que eu faço e acredito muito em mim mesmo. Me dedico muito naquilo que faço e já passei por vários momentos que poderia ter desistido. Não tenho um ídolo assim que posso falar, mas me inspiro bastante na minha própria luta. Admiro muito o que o Guga fez pelo esporte, como outros atletas que fizeram muito pelo esporte, mas não tenho um ídolo.

Como é sua rotina de treinamentos?

 Desde o ano passado, infelizmente, eu não consigo mais viver apenas do esporte. Então eu trabalho na parte de vendas numa loja de madeiras de móveis planejados e tive a oportunidade de ser contratado como atleta. A maior dificuldade é ser contratado assim, porque existem muitas viagens e compromissos. Trabalho lá de 8h às 17h30, saio de lá, passo em casa, pego minhas coisas e vou para o treino. Eu estava treinando numa academia na Pampulha, mas não tem nada fixo, porque os locais que eu treino eu pago. Não faço parte de um clube específico, pago como uma pessoa que vai fazer aula, então não tenho um lugar fixo.

Daniel ficou em primeiro lugar nos Jogos Para-Sul-Americanos em Santiago em 2014. (Foto: Arquivo Pessoal)

Daniel ficou em primeiro lugar nos Jogos Para-Sul-Americanos em Santiago
em 2014. (Foto: Caio Graça)

Você atualmente é o 17º colocado no ranking da ITF (International Tenis Federation). O quão importante é a experiência de competir internacionalmente para seu crescimento como atleta?
Essa experiência internacional começou em 2009, quando eu já estava em destaque no Brasil. Então eu recebi o convite da ITF para a semana de treinamento em Londres. Fui convidado e fiquei duas semanas lá, depois também acabei sendo convocado. Essa experiência foi fantástica porque me deu a chance de conhecer o que eles têm que a gente não tem. Fiquei impressionado com a estrutura, em ver como o atleta paralímpico é tratado. O Centro de Treinamento tem tudo: lugar para descansar, academia, restaurante com cardápio especializado, treinadores, fisioterapeuta, sala de jogos. É fantástico. E lá os atletas ficam por conta de ser atleta, não precisa de complemento de renda. E isso não me desanimou, me deu mais força, por saber que eu não tenho nada disso e brigo de frente com eles que tem essa estrutura.

Você chegou a integrar o Top15 no ranking de simples e o Top20 no ranking de duplas, que são resultados muito expressivos, alcançados no ano passado. Como você planeja o seu futuro no esporte?
Ano passado foi um ano muito bom, como está vem sendo esse ano também, consegui uma sequência. Voltei dos Estados Unidos semana passada, fiz três sets com o número cinco do mundo e a evolução está acontecendo. Tenho muitas coisas ainda a desejar, como questão de equipamento, que o meu é inferior aos atletas lá de fora, principalmente em relação a cadeira. A minha cadeira é mais usada, mais velha, nacional, enquanto os outros tem cadeiras de quinze mil dólares para mais. Então não dá para comparar, mas eu planejo assim, dentro do possível, melhorar porque 2020 tá aí e ano que vem começa a classificação para Tóquio. O objetivo não é só classificar, é subir no pódio, mas para isso a estrutura tem que melhorar para a gente ter condições reais de disputar medalha. Então venho conversando muito com a Confederação visando melhorar essa situação.

Atleta participa frequentemente de competições no exterior (Foto: Arquivo Pessoal)

Atleta participa frequentemente de competições no exterior (Foto: Arquivo Pessoal)

Como você avalia o esporte paralímpico em Minas Gerais? O que pode ser melhorado?
Eu, particularmente, acho que Minas é um dos estados que vem perdendo para outros estados na questão do esporte paralímpico. Aqui tem muitos atletas de qualidades, além disso, pessoas que poderiam ser atletas, mas não tem incentivos. Estados como Rio e São Paulo, tem programas de incentivo, não só a questão da bolsa, mas programas que querem fazer da pessoa um atleta. Porque a bolsa é questão de merecimento, mas quem não tem, tem que continuar na busca em ser um atleta. Não vai acontecer, de um dia para o outro, a pessoa virar atleta. Tem que ter os programas do governo, coisas que incentivam de verdade. Estão criando muitas ONGs, leis de incentivo. Eu não sou muito a favor dessa Lei* porque prejudicou muito para nós atletas buscar um patrocínio privado. A empresa deduz no Imposto de Renda e investe na ONG, mas não existe a fiscalização para verificar se o dinheiro está sendo investido no esporte. O que me deixa mal é saber que essas coisas acontecem e prejudicam os atletas.

Você acredita que a realização dos Jogos Paralímpicos no Rio teve como legado mudanças positivas na vida do atleta paralímpico no Brasil?
Eu escutei muito aquela conversa que deixou um legado, que agora é um país que melhoraria. Na verdade, eu ainda não vi isso. Não vi isso acontecer, ouvi apenas os boatos que poderia ter agora um olhar diferente para o esporte, principalmente o paralímpico, mas eu ainda não vi isso acontecer. Foi fantástica a Paralimpíada, mas eu pensava que o legado ia ser melhor e isso não aconteceu. Então agora temos que brigar para que isso não fique esquecido, como os próprios locais de jogos lá no Rio, não foi feito muita coisa. Acho que poderia ter acontecido muito mais como acontece em outros países. A gente continua de cabeça erguida e buscando o que for melhor para que as coisas boas aconteçam e que o Brasil seja referência no esporte olímpico e paralímpico.

O que representa para você ser contemplado pelo Prêmio do Esporte Mineiro 2017?
É um reconhecimento legal, que incentiva a gente a continuar buscando bons resultados. Vemos que o esforço vale a pena.

* A Lei Federal de Incentivo ao Esporte  – Lei 11.438/2006 – permite que empresas e pessoas físicas invistam parte do que pagariam de Imposto de Renda em projetos esportivos aprovados pelo Ministério do Esporte. As empresas podem investir até 1% desse valor e as pessoas físicas, até 6% do imposto devido.

Observatório do Esporte de Minas Gerais

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