Livro de Renato Miranda analisa o Flow-Feeling e reitera que o esporte existe para fazer bem à alma

Publicado em 07/06/2018 por

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Renato Miranda chega ao terceiro livro com linguagem acessível, ultrapassando as fronteiras acadêmicas para ampliar seu alvo (Foto: Alexandre Dornelas)

Renato Miranda chega ao terceiro livro com linguagem acessível, ultrapassando as fronteiras acadêmicas para ampliar seu alvo (Foto: Alexandre Dornelas)

“O esporte é um simulacro da própria vida”. A frase, do professor doutor Renato Miranda, mostra a paixão de quem, há três décadas na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), dedica-se a ensinar sobre a arte por trás do equilíbrio, da dedicação e do bom desempenho, seja no esporte ou no cotidiano de pessoas comuns. “Fluxo e comportamento humano: Uma psicologia para o esporte” é o terceiro livro do autor, que chega ao público com uma linguagem acessível, ultrapassando as fronteiras acadêmicas para ampliar seu alvo. O conteúdo, rigorosamente baseado em conceitos comprovados pela ciência, tem como norte o Flow-Feeling, teoria de Mihaly Csikszentmihalyi sobre uma poderosa energia mental que impulsiona o indivíduo em direção a um objetivo positivo, com prazer, espontaneidade, alegria e motivação, sendo os resultados uma consequência desse estado.

Com 178 páginas, a obra foi impressa pela Editar, de Juiz de Fora, com prefácio assinado por seis ex-alunos que representam gerações ao longo dos 28 anos de Renato Miranda em salas de aula da Faculdade de Educação Física e Desportos (Faefid) da UFJF. “Todos eles estudaram a Teoria do Flow-Feeling, escreveram comigo sobre o fluxo, inclusive ajudando direta e indiretamente em alguns dos textos do livro”, diz o autor, referindo-se aos amigos professores Antônio Walter Sena Júnior; Danilo Reis Coimbra, Heglison Custódio Toledo; Helder Zimermann de Oliveira; Leonardo Beire dos Santos; e Maurício Gattás Bara Filho que tanto o inspiraram. A apresentação ficou a cargo do jornalista Ângelo Medina, do site Vya Estelar. A capa traz dois atletas infanto-juvenis representados pelos filhos Bernardo e Gustavo Miranda.

O lançamento acontecerá hoje (07), às 20h, na Fibratech Spazio, um local de esporte e exercício físico, cujos sócios proprietários foram ex-alunos do autor, com entrada franca. O exemplar será vendido a R$ 40. “Será um momento de encontro, divertimento e fluxo”, garante. Para aqueles que perderem a primeira noite de autógrafos, já está programado um novo encontro sobre o livro, em 19 de junho, às 19h30, na livraria e cafeteria Excalibur, em São Mateus. “Em julho, devo lançar em Viçosa (MG), mas está tudo ainda muito aberto a possibilidades. Vamos aguardar a repercussão em Juiz de Fora. Não vou estar na Copa do Mundo, na Rússia, onde fiz especialização em Treinamento Esportivo e Psicologia do Esporte, mas meu livro sim, porque muitos dos jornalistas que apreciam o tema, como Tino Marcos, já o receberam e o levarão na bagagem.”

“A essência da liberdade está em conhecer os próprios limites”

– Portal UFJF: Você é reconhecido pelo seu conhecimento sobre psicologia do esporte, tanto que este não é seu primeiro livro a respeito, sempre colocando que a prática e o entendimento do esporte são fundamentais para o enfrentamento dos desafios tanto para o atleta como para o ser humano em geral. Isso se daria em função de que aspectos?

– Renato Miranda: São dois aspectos gerais. O primeiro é o conhecimento do esporte propriamente dito. Sempre acreditei no esporte como um simulacro da própria vida. Isso em função das diversas fontes de ansiedade, pressão, demandas psicológicas como concentração e motivação, além de exigência laboral. A palavra desempenho está em todos os campos, na exigência de preparo não apenas físico, mas também mental. Essa analogia cabe aqui, embora o esporte não seja maior que a vida. Vemos que o atleta se tornou um ser ideal, o que faz com que todo mundo queira ter algo de esportista, seja no comportamento, nas roupas ou na atividade física propriamente dita. Todo pai quer colocar ou filho ou a filha no esporte, muito embora seja preciso ter ciência de que o esporte não é uma panaceia. Para crianças ou atletas é, sim, uma parte importante da vida, mas uma parte apenas, de grande impacto, como qualquer outra atividade sofisticada, como a arte, a música etc.

Se você fizer uma analogia entre um grande músico e um atleta, verá que têm muito em comum. O foco de atuação é diferente da exigência, mas o que se tem que fazer para ser um grande músico é compatível com o que um grande atleta faz. E aí entra a dedicação, o esforço, a autodisciplina. Sempre considero que o esporte como manifestação não está direcionado apenas ao alto desempenho, mas como atividade de lazer, aprendizado para toda a vida. Esse é o primeiro aspecto, que está relacionado às teorias que estudo.

O segundo é sobre a questão laboral. Uma das boas críticas que recebi em relação ao primeiro livro, “Construindo um atleta vencedor: uma abordagem psicofísica do esporte”, que escrevi junto com o professor Maurício Bara Filho, foi a questão da abordagem acadêmica. Pessoas do meu relacionamento pessoal e de fora da universidade, principalmente, entendem que alguns professores universitários publicam apenas para os órgãos de fomento, para enriquecer o currículo, para a própria universidade ou só para especialistas, de forma que o esforço e o conhecimento que têm nem sempre chegam às pessoas em geral.

No caso do esporte, a crítica seria que o conhecimento produzido na academia na maioria das vezes não é divulgado de maneira fácil, sutil, para ser melhor absorvido por pais, jovens atletas profissionais, jornalistas, especialistas em esportes etc. Isso me estimulou a escrever tanto para a comunidade acadêmica quanto para o público em geral. No segundo livro, “Reflexões do esporte para o desempenho humano”, fiz isso e gostei tanto do resultado que me animei a escrever esse terceiro. Em resumo, prefiro ser criticado pelos colegas do que pelas pessoas que militam no dia a dia. Eu diria que há um ranço no meio acadêmico, em que se tem medo de escrever de uma forma mais coloquial, mais fácil de atingir a sociedade. Atletas de alto nível dificilmente têm um relacionamento com acadêmicos, porque os veem como muito sofisticados, querendo dar uma aula a cada cinco minutos.

Minha preocupação com isso é tanta que, no segundo livro, para tirar o meu vício de 28 anos em sala de aula, o jornalista que trabalha comigo no site Vya Estelar, Ângelo Medina, trocou todos os títulos dos artigos, para obter um apelo mais popular. Escrevo o texto, ele faz uma adequação em busca de uma solução mais acessível. Espero que o novo livro tenha mais repercussão e que um atleta de 15, 16 anos possa ler e entender perfeitamente, muito embora o conteúdo seja rigorosamente baseado em teorias e conceitos estritamente já comprovados pela ciência acadêmica.

– Disciplina, foco, determinação, persistência, condicionamento físico e psíquico importam no sucesso não apenas do atleta, mas da juventude como um todo. Como lidar com isso quando é justamente a criança, o adolescente e o adulto jovem que mais querem a liberdade, a não submissão à autoridade, seja a do treinador, do professor ou dos pais?

 A essência da liberdade está justamente na pessoa conhecer os próprios limites, ou seja, ser livre é ser limitado. O jovem que escolheu ser atleta, por exemplo, precisa entender que a liberdade de fazer essa escolha criou limites na sua vida, ou seja, ele vai ter uma vida social limitada, vai ter que se alimentar bem, se dedicar aos treinos, para usufruir dessa liberdade como atleta. Quando ele aceita isso, se torna uma pessoa livre. Ou seja, ser livre é ser limitado. Quando a pessoa entende isso, vive melhor sua liberdade. Essa liberdade de fazer o que quiser, na hora que quiser, é uma ideia romântica; na prática, para um atleta de alto nível ter sucesso tem que respeitar regras, até para não entrar em conflito consigo mesmo, com a família ou com seu desempenho profissional. É assim em toda profissão. Se a pessoa quer ser um cirurgião, vai ter seus limites, se quer ser um acadêmico, vai ter que estudar a vida toda, exercendo a autodisciplina, se atualizando sempre. Como ser um músico, sem praticar horas e horas?

Já existem experimentos comprovando que dentro de um ambiente bem estimulado, de bons profissionais, a criança, o adolescente não tem esses conflitos que às vezes vemos nos jovens em geral, a pessoa simplesmente vai se adequando. Qualquer atividade sofisticada e que enriquece a alma das pessoas, se praticada desde a infância, proporciona uma estrutura de preparação para a vida. Assim, o jovem, desde cedo, vai aprender que só vai usufruir dos benefícios dessas atividades se tiver disciplina, motivação, esforço, alegria espontânea. A pessoa vai criando uma moldura emocional positiva para enfrentar as intempéries, as dificuldades da vida, do dia a dia, reconhecendo quando pode ir além e quando precisa recuar. O livro deixa claro que isso tudo tem uma dependência direta da infraestrutura em que a experiência está sendo vivida e que tem a ver também com a qualidade profissional de quem está orientando. Quando se reúne tudo isso, está criada a oportunidade para a pessoa. Não é que o esporte ou qualquer outra atividade vá promover uma mudança por si só. Trata-se de um instrumento de transformação se houver esses pré-requisitos que citei.

– Drogas sempre foram um problema grave entre os jovens, mas há mais facilidade de acesso hoje em dia, e há histórias que mostram que não é raro encontrá-las no meio esportivo. Como a psicologia do esporte se aplica nessas situações? É possível prever um quadro assim e preveni-lo ou mesmo combatê-lo?   

– Sempre digo, para a frustração de muitos especialistas, que o esporte não previne e nem tira ninguém das drogas. O esporte poderá prevenir e até recuperar desde que a pessoa envolvida consiga liberar todo o seu potencial psicofísico, ou seja, sua habilidade de concentração, de controle de estresse, ansiedade, potencial físico, resistência, aprender a usufruir das respostas que ela pode dar ao esporte, jogar bem, se sentir bem etc.

A droga atrai os jovens porque provoca a elaboração de uma química interna, através dos neurotransmissores, criando um falso sentimento de bem-estar e, daí, a dependência. O esporte, assim como várias outras atividades complexas, consegue regular e harmonizar a produção dessa química interna. O problema é que, com o uso das drogas, essa produção interna é exacerbada, desequilibrada, sem usufruto da pessoa, ou seja, não há sentimento de recompensa. Quando se pratica uma atividade sofisticada como o esporte, e se é reconhecido pelos pares, pela família e pela sociedade, é possível usufruir dessa química de uma maneira equacionada, harmonizada, e, ao mesmo tempo, ser recompensado pelo esforço, pelo foco, pela disciplina. Quando a pessoa está sob o efeito de uma droga, ela se sente poderosa, animada, expande sua energia, só que artificialmente, enquanto as atividades como o esporte promovem isso de uma maneira natural, duradoura e saudável.

Gosto muito de citar um filósofo chamado Michel Serres, que se contrapõe àqueles que acreditavam que o álcool e a droga podiam ampliar a mente. Não é nada disso: grandes artistas morreram jovens por isso. Na verdade, o que amplia a vida são sete horas regulares de sono, exercício físico, prática de esportes e atividades elaboradas, e fugir da química, principalmente a química social contida em modismos e más influências, nas quais se incluem a violência, as drogas e a companhia daqueles que tentam usurpar a motivação de outros. Todos os que se dedicam a uma atividade enriquecedora têm uma vida social mais restrita, pertencendo a um grupo menor, até porque essas atividades requerem muita dedicação. Abordo isso em várias passagens do livro.

– Um dos nortes do seu novo livro é a Teoria do Sentimento de Fluxo, o Flow-Feeling, quando a ação e a consciência se integram proporcionando um estado mental de fluidez, não apenas no esporte, mas na vida como um todo. Esse assunto chegou a ser tema de monografias, dissertações e teses sob sua orientação. Poderia falar sobre isso?

 Claro, e com prazer. Mihaly Csikszentmihalyi, um psicólogo norte-americano de ascendência húngara, definiu esse estado mental em que as pessoas parecem fluir, em que as coisas funcionam bem. É quando se tem controle sobre tudo, prazer no que se faz, alegria espontânea, motivação. É quando se flui em uma atividade, não há tensão nem preocupação com resultados, mas a própria tarefa é a finalidade em si, ou seja, a pessoa treina futebol porque gosta do esporte e não para obter a fama, que pode acontecer ou não. A pessoa busca a atividade porque é envolvente e se realiza naquilo; as consequências, o destino vai traçar. Esse fluxo é uma energia mental muito poderosa que nos impulsiona em direção a um objetivo. Um bom exemplo é a criança que faz uma atividade porque gosta e, por isso, flui. Esta é uma característica autotélica. Csikszentmihalyi pesquisou durante 20 anos junto a trabalhadores, atletas, artistas. Esse fluxo acontece em atividades espontâneas que se elege naturalmente, criando um canal para a satisfação, a alegria e o prazer. Muitos até dizem que é a Teoria do Prazer, que ainda é nova, mas já tem repercussões em muitos países. É um estado que transforma a vida das pessoas.

Com o tanto que me interesso pelo assunto, talvez eu seja um dos que mais estudam o Flow-Feeling hoje no Brasil. E o norte do meu novo livro é justamente a teoria, tanto que são mais de 70 textos, a maioria fazendo uma relação do fluxo com diversas atuações da vida humana, principalmente, lógico, no esporte, da iniciação à formação de profissionais. Uma analogia para com a vida humana, o trabalho, o cotidiano de um modo geral. Fluxo, fluidez e Flow-Feeling são expressões amplamente utilizadas para definir esse estado, uso as três para não perder a amizade de ninguém [risos].

– O estresse e a ansiedade podem ser vistos como uma pandemia que se instalou sobre o homem moderno. Como lidar com esse obstáculo à vida plena e ao sucesso?  

 O atleta de alto risco está sempre no fio da navalha. Observe que podemos fazer uma analogia da vida esportiva desde a iniciação de uma criança que quer ser atleta profissional a um estudante de ensino médio que almeja entrar na universidade em um curso muito disputado. São vivências semelhantes. A ansiedade é da natureza humana. Não há como eliminar a ansiedade das pessoas nem o estresse, já que existem várias fontes estressoras. Faz parte de vida, mas quando a pessoa exacerba esse sentimento ansioso, ela começa a apresentar desordens, distúrbios dos mais leves aos mais graves.

A palavra pandemia descreve muito bem essas pressões por desempenho, por resultado muito rápido, e isso pode ter um impacto na vida comum. Exigência é o que a gente mais encontra na vida de jovens de 15, 16 anos, que estão no ensino médio, não praticam esporte, não aprendem música, teatro etc, não têm outras atividades que, como dizia um professor que tive na Rússia, fazem a parte mais alegre da vida humana, fazem bem à alma. Então, essa juventude que apresenta distúrbios de ansiedade, alguns casos mais graves levando ao suicídio, é, muitas vezes, em função dessa falta de controle e desenvolvimento de atividades outras que não a cognitiva, que ajudam a enfrentar as pressões na vida. As mídias abordam um crescente suicídio entre os jovens, muito em função dessa falta de controle e desenvolvimento de habilidades que o preparem para se defrontar com as frustrações e superar os obstáculos que a própria vida impõe.

Como tirar a pressão do atleta de rendimento? Sempre brinco que um atleta que reclama de pressão é um atleta despreparado, porque se você tirar a pressão do esporte perde a graça. Se você relacionar isso com as outras experiências da vida é a mesma coisa. Não há pressão para um grande músico que se apresenta frente a um público restrito, mas tocar para 60 mil pessoas, em um estádio, implica uma pressão muito maior. Essa é a graça. Aí está a oportunidade de mostrar o equilíbrio, o preparo, o potencial. Assisti a um show de Phil Collins, no Maracanã, cuja banda incluía seu filho de 17 anos como baterista. Imagina a pressão para esse garoto enfrentar uma plateia de tantas pessoas. Com o atleta é a mesma coisa. Imagina uma Copa do Mundo. Para um goleiro, suas falhas são irreparáveis. Tem que ter muito treinamento para assimilar essa pressão e absorver a alegria.

Com a vida é a mesma coisa. Se um garoto ou uma garota está no ensino médio, a escola precisa entender seus limites, porque tem gente com alta habilidade para química e para matemática, quando outras não têm nenhuma. Cada um tem um aparato neurológico, uma inteligência voltada para algo específico. Aquele que é fera nessas matérias que citei talvez não tenha um bom desempenho no esporte ou no teatro, e aquele que não tem habilidade em química ou matemática talvez venha a ser um grande artista ou um grande atleta. Só que a escola brasileira não sabe lidar com isso. Diria até que esse é o grande desafio das escolas em todo o mundo. Nos países mais ricos e desenvolvidos, as escolas tentam ampliar as possibilidades, extrapolando o ensino.  Quando falam que um garoto nos Estados Unidos fica o dia inteiro na escola, as escolas aqui começam a fazer o mesmo… Só que, aqui, a criança fica estudando português e matemática o dia todo, quando, lá fora, há teatro, música, esportes. É bem diferente.

O mais importante para controlar a ansiedade é a pessoa ter um interesse positivo para desenvolver uma forte vida interior. Isso, inclusive, para o atleta de alto nível. Quando tenho oportunidade de conversar com um desses atletas, procuro mostrar que o esporte é apenas uma parte de sua vida, até porque o tempo profissional de um desses atletas é, em média, de 12 a 13 anos. E o restante da vida? Vou revisitar um professor russo de quando estudei em Moscou, que dizia: “o esporte existe para fazer bem à alma”. Há uma consequência objetiva na vida das pessoas. Em toda atividade em que a pessoa exercita o autoconhecimento, o estado mental que a gente poderia chamar de alma, aí entrariam as artes, os conhecimentos diversos e a própria religião, por que não? Acredito piamente nisso.

A Fribratech Spazio fica localizada na Ladeira Alexandre Leonel 221, Bairro Cascatinha.

Agência de Notícias da UFJF (adaptado)

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