Apagaram-se os holofotes e o Brasil não é mais o epicentro do cenário esportivo do planeta. O foco agora está em Tóquio, no Japão, que terá a responsabilidade de receber os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2020. Porém, nem mesmo a mudança de sede fez com que o país deixasse de respirar Olimpíada. Afinal, o evento trouxe um legado que vai muito além das fronteiras do Rio de Janeiro, que cumpriu seu papel como cidade-sede.
Passados os mais de seis anos entre a preparação e execução dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, o Rio de Janeiro não foi o único beneficiado. Enquanto a capital fluminense recebeu a grande parte dos investimentos em infraestrutura, uma das áreas que vivenciou maior desenvolvimento neste período também em outras regiões foi a gestão esportiva. O meio foi impactado pela série de autoridades que vieram ao país, principalmente através do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), trazendo resultados visíveis no curto prazo.
“A principal mudança na gestão esportiva causada pela passagem da Olimpíada pelo Brasil aconteceu na forma como os clubes e federações passaram a incentivar a prática dos esportes. Isso gerou consequências importantes, pois houve um grande aumento nos praticantes das mais diversas modalidades. Porém, apesar disso, ainda é preciso melhorar a questão da captação dos possíveis atletas e futuros profissionais”, alerta a professora Daiane Freitas, da FACISA/UNIVIÇOSA, que publicou o artigo “Gestão dos presidentes das Federações Olímpicas“.
Além deste aumento dos praticantes, quem também aproveitou a passagem da Olimpíada por aqui foi o Comitê Brasileiro de Clubes (CBC) que ajudou a melhorar a área de gestão esportiva. A entidade participou ativamente na alteração da Lei Pelé, sobretudo nos artigos 18 e 18a que delimitaram o mandato dos dirigentes em, no máximo, quatro anos com direito a uma única recondução, acabando assim com as “capitanias hereditárias” do esporte no Brasil.
“Muita coisa ainda precisa mudar, mas hoje temos uma compreensão maior sobre uma gestão profissional no esporte brasileiro. Mas, as federações e clubes descobriram um papel muito maior após os grandes eventos olímpicos e paralímpicos. O processo é saudável e o CBC participa ativamente deste debate, seja com as entidades páreas (CPB e COB), no Congresso Nacional, ou até mesmo no seu acento garantido no Conselho Nacional do Esporte”, explica o ex-velejador Lars Grael, superintendente técnico do Comitê Brasileiro de Clubes.
Criado em 1990, com a alcunha de Confederação Brasileira de Clubes, o CBC foi reconhecido pelo Conselho Nacional do Esporte, em 2001, e, em 2011, reconhecida como entidade superior do Sistema Nacional do Esporte, ao mesmo nível que o COB e CPB. Ou seja, na mudança dessa lei, foi destinado 0,5% da arrecadação das loterias diretamente para a formação de atletas nos clubes.
Atualmente, a entidade está trabalhando em seu sétimo edital que beneficia a formação de atletas nos clubes que estão filiados e aptos a receberem recursos públicos. Mas Lars Grael sabe que ainda há muito o que evoluir. “O esporte brasileiro ainda é muito hierarquizado. O protagonista do esporte, que é o atleta, tem uma participação muito limitada no processo decisório. Há uma necessidade grande de se dar voz ao protagonista do sistema”, aposta o eterno medalhista olímpico.
É hora do show!
Outra grande mudança que se fez necessária foi o tratamento dado aos esportes. Se antes da Olimpíada os gestores se preocupavam apenas em organizar as competições, agora é quase que uma obrigação tratar as mais variadas práticas esportivas como um verdadeiro espetáculo.
“Apesar de ser uma novidade por aqui, esse tratamento acontece há pelo menos 30 anos nos Estados Unidos e na Europa. Essa é uma forma de aumentar a receita, oferendo um espetáculo que vai além do esporte. Seja com show de luzes, apresentações musicais, festivais gastronômicos, entre outras coisas que atraem mais o público. Afinal, como muitos jogos têm transmissão pela televisão, se oferecermos apenas o esporte, é muito difícil tirar as pessoas do conforto de suas casas para ir a um estádio ou ginásio para acompanhar ‘apenas’ um esporte. É claro que o principal ainda é o jogo, porém, é preciso oferecer algo diferente para atrair mais torcedores, mesmo que elas não gostem do esporte”, avalia Carlos Antônio da Rocha, o Rochinha, diretor de esportes do Minas Tênis Clube.
Quem também aponta o esporte-espetáculo como uma das principais inovações da gestão esportiva no Brasil é Israel Teoldo, doutor em ciências do esporte e professor do Núcleo de Pesquisa e Estudos em Futebol (NUPEF), da Universidade Federal de Viçosa.
“No Brasil, isso é mais que uma inovação, é uma necessidade. Se nós não explorarmos o lado do espetáculo, principalmente no esporte especializado, continuaremos sem evoluir, afinal sem público não há esporte sustentável. Por isso, temos que primar por tudo que atrai o público, mas sem esquecer de melhorar cada vez mais a formação dos atletas, pois são eles que fazem o verdadeiro espetáculo”, acredita Israel.
Formação especializada
Desde o anúncio que os Jogos Olímpicos de 2016 aconteceriam na cidade do Rio de Janeiro, em outubro de 2009, gerou-se uma grande expectativa em como o país iria se preparar para uma competição dessa magnitude. E, se como competição o Brasil não deixou a desejar, o mesmo não se pode dizer na gestão esportiva.
“Infelizmente, nem mesmo as mudanças mais básicas, como a criação de um curso para gestores esportivos, acabaram acontecendo. Assim que o Brasil ganhou a disputa para sediar a Olimpíada, foi prometido que haveria um curso de graduação especializado para a formação desses profissionais, mas esse curso não saiu do papel”, lamenta Israel.
Voltando ao estudo de Daiane Freitas, ela entrevistou 83 presidentes de clubes e federações de diferentes localidades do Brasil, e chegou a conclusão de que ainda há muito a se melhorar nesta área, apesar da evolução dos gestores brasileiros.
“Durante o período pré-Olimpíada, aconteceram muitos cursos nesse sentido que acabaram dando a oportunidade dos gestores brasileiros aprenderem. Mesmo assim, ainda não estão bem preparados para uma gestão esportiva adequada a nível mundo. Infelizmente, no Brasil aposta-se muito em ex-atletas para gerirem suas modalidades, mesmo que esse não tenha nenhuma formação acadêmica na área de gestão. E isso não é suficiente”, finaliza Daiane.
Antecipação Britânica
Depois do Rio, Minas Gerais foi o estado que mais “participou” da Olimpíada de 2016, mesmo que indiretamente. Por aqui, passaram delegações de 18 países*, e, aproximadamente, 1.300 atletas que desfrutaram das instalações de seis cidades e 16 centros de treinamentos antes de chegarem à capital fluminense para suas respectivas competições.
O resultado é fruto do trabalho da força tarefa Minas 2016, criada pelo Governo do Estado de Minas Gerais para atrair delegações estrangeiras para treino e aclimatação em solo mineiro. A primeira ação foi mapear espaços aptos para receberem delegações, trabalho que deu vasão também a atração de grandes eventos esportivos como o XX Mundial Júnior de Handebol masculino e o 63º Jogos Universitários Brasileiros realizados no Triangulo Mineiro; etapas da Copa Davis, do Superdesafio de Judô e da Liga Mundial de Vôlei, na capital.
“Minas Gerais foi o único estado que se preparou para o trabalho de captação. Isso deixa um legado gigantesco para todos nós, em razão da infraestrutura criada para atender esses países. Exemplo são os 24 centros de treinamento adequados e atestados pelo Comitê Internacional e o expressivo investimento da gestão estadual na construção do Centro de Treinamento Esportivo (CTE)”, ressaltou o deputado estadual que coordenou o Minas 2016, Carlos Henrique.
O CTE citado pelo deputado e membro da Comissão de Esportes da Assembleia Legislativa, está localizado no terreno do Centro Esportivo Universitário (CEU) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O Governo de Minas Gerais investiu na construção das duas primeiras etapas do complexo.
CTE – um dos maiores centros de formação de atletas do país
Na primeira fase de obras consistiu na execução da pista de atletismo de 6.838 m², com 9 raias. Voltada para atende as necessidades de 32 modalidades olímpicas de campo e pista. Nela foram investidos R$ R$ 5.173.168,00.
Já a segunda fase das obras foi dedicada ao prédio que abriga o parque aquático, que possui 13.383 m². Foram aplicados pelo Governo de minas Gerais R$ 46.211.161,47. A piscina de 65x25m atende as necessidades de 3 modalidades olímpicas (natação, nado sincronizado e polo aquático).
Com a borda móvel, a estrutura pode ser dividida em duas piscinas semiolímpicas, favorecendo treinamentos simultâneos de um grupo maior de nadadores. O parque aquático também conta com banheiras térmicas e saunas para a recuperação física dos atletas após as sessões de treinamento.
O espaço que é gerido pela universidade promove seletivas de captação de jovens para a formação de atletas de diversas modalidade como atletismo, tae-kwon-do e esportes aquáticos. A proposta é transformar o CTE em um celeiro de formação de novos atletas que representarão o estado e o país em competições nacionais e internacionais. Além de usufruir de toda infraestrutura em padrão internacional, os alunos recebem suporte de uma comissão técnica com ênfase nas áreas de nutrição, fisioterapia e acompanhamento psicológico e físico.
Quem viveu isso de perto foi Carlos Antônio da Rocha. Assim que terminou a Olimpíada de Londres, em 2012, o clube foi procurado pela Associação Olímpica Britânica (BOA) para receber as delegações Olímpicas e Paralímpicas.
Nos quatro anos subsequentes, entre visitas para treinamentos e aclimatação antes das provas, o clube cedeu sua infraestrutura em troca de um verdadeiro intercâmbio de conhecimentos, onde puderam observar de perto uma das entidades esportivas mais avançadas do mundo, principalmente na área de gestão.
“Além de ser um reconhecimento de que o Minas está apto para pratica do mais alto nível do esporte mundial, aprendemos com eles que um planejamento vai muito além de ter um local para treinar antes de uma determinada competição. Quanto maior for a antecedência para deixar tudo pronto, a chance de se obter sucesso também fica maior. Além disso, o custo também diminuí”, relata Rochinha.
Além do sistema de planejamentos com quatro anos de antecedência, o Minas também incorporou outros aprendizados à sua gestão dos esportes. “Trabalhamos hoje com uma metodologia de objetivos. Traçamos onde pretendemos chegar em um determinado período, com isso, definimos o trabalho que precisa ser feito em cima de orçamento garantido – excluindo os patrocinadores. A partir daí, vamos acompanhando a evolução das modalidades, e sempre definindo os atletas que querem ser profissionais, levando em consideração o desejo deles próprios”, explica o dirigente.
*Reino Unido, Brasil (canoagem), Polônia, China, Equador, Tunísia, Índia, Marrocos, Egito, Irlanda, Bélgica, Argélia, Sérvia, Qatar, Estados Unidos, Canadá, Eslováquia, Estônia fizeram suas aclimatações para a Olimpíada do Rio em Minas Gerais.