No livro “A genética do esporte”, na lista de mais vendidos do “New York Times” e com previsão de lançamento no Brasil em novembro, David Epstein tenta quebrar um paradigma. Para ele, os genes se sobrepõem ao treino.
A teoria mais aceita diz que o treinamento, na maioria dos casos, é mais importante que o talento inato no esporte. Você parece não concordar. Então, quão determinante é o talento na carreira de um atleta?
Não discordo totalmente, o que não concordo é com a ideia de que a prática é o único fator determinante para o sucesso. No livro descrevo dois saltadores de altura do campeonato mundial de 2007: um com 20 anos de prática e outro com oito meses, tendo começado a atividade por causa de uma aposta com um amigo. Bem, o homem com oito meses de treinamento ganhou os campeonatos mundiais. Médicos depois descobriam que ele nasceu com um tendão de aquiles incrivelmente longo, o que funciona como mola na parte de trás da perna. Neste caso, conto sobre dois saltadores chegaram ao mesmo lugar, um pelo volume exaustivo de treinos e outro por um incrível dom da natureza. Sugerir que o talento não existe contraria anos de trabalho de fisiologistas do esporte e geneticistas do exercício. O que os geneticistas do esporte estão descobrindo é que o atleta pode não apenas ter nascido com um dom, mas também existem genes que beneficiam o treinamento de um atleta mais do que o outro.
Uma boa parte do livro é dedicada à pesquisa de Anders Ericsson, pai da teoria de que a excelência pode ser atingida com muito treinamento, que ficou conhecida como as dez mil horas de treino, tese baseada inicialmente em violinistas. Por que a considera equivocada?
Antes de tudo, o próprio Ericsson não acredita que a excelência é atingida assim. Na “British Journal of Sports Medicine”, ele escreve que a regra das dez mil horas “é uma má interpretação” do seu trabalho e expõe isto na internet. Mas discordo quando diz que qualquer um tem genes “adormecidos”, que podem levar um indivíduo ao sucesso. Violinistas de uma academia mundialmente famosa, já foram pré-selecionados e não são parâmetro para comparações.
Quais são os atuais avanços da ciência em relação aos atletas de elite?
De forma geral, cientistas estão descobrindo que algumas habilidades que pareciam inatas, como a de um goleiro, são aprendidas, enquanto traços que parecem atos de vontade, como a compulsão por treinar, têm importante componentes genéticos. Quanto mais cientistas aprendem sobre a genética e a fisiologia dos atletas, mais claro fica que não existe um único plano de treinamento melhor para todos. Para o desenvolvimento atlético, as pessoas precisam encontrar um programa que sirva à sua psicologia. Um estudo na “Science” afirmou que estamos aprendendo “o quão profundamente diferentes somos uns dos outros”. Não existe caminho para o êxito, mas os países com o maior sucesso atlético são os que adequam a fisiologia do atleta ao esporte em primeiro lugar, dando-lhe a melhor chance de ser bem-sucedido.
Pode-se dizer que o talento está relacionado à genética ou à etnia?
Alguns talentos estão relacionados à genética. Cientistas já mostraram que os genes levam alguns indivíduos a adquirir resistência ou massa muscular mais depressa do que outros com o mesmo treinamento. Avaliar desempenho pela cor não é suficiente. Os bons corredores de velocidade são descendentes recentes do Oeste africano, e os que dominam a corrida de longa distância são do Leste africano. Então mesmo que atletas do Leste e do Oeste tenham a pele escura, eles são fisiologicamente diferentes em vários pontos. Isto posto, enquanto pensamos nos maratonistas quenianos como os melhores do mundo, no Quênia acredita-se que a pequena tribo Kalenjin – que representa apenas 12% da população – é a que tem os melhores corredores. Eles têm ancestrais de latitudes muito baixas, de clima quente e seco, cuja adaptação evolutiva foi de membros longos e finos. Isto ajuda na corrida, porque a perna é como um pêndulo, quanto mais longa e fina, maior a eficiência energética para oscilar.
Como o cérebro influencia a performance do atleta?
Cientistas sabem que existem diferenças nas funções cerebrais das pessoas mais propensas a treinar, e aponto os genes implicados no livro. Pam Reed, uma das maiores ultramaratonistas de todos os tempos, não se sente confortável se não está treinando. Falei com ela quando tinha acabado de terminar um ironman em Nova York, e o voo estava atrasado. Ela disse que botou a mala num canto e foi correr no estacionamento! É um exemplo extremo, mas cientistas que estudam o sistema da dopamina – da sensação de prazer e recompensa – sabem que algumas pessoas são motivadas a serem mais fisicamente ativas por diferenças cerebrais.
Mas você também considera o papel do ambiente, certo? Você diz que, provavelmente, Usain Bolt teria se tornado um jogador de basquete em vez de um corredor se tivesse nascido nos EUA.
A habilidade atlética depende tanto do DNA quanto do treinamento, e geralmente a genética e o treinamento devem ainda coincidir com um momento específico da vida. Meu ponto sobre o Usain Bolt é que em qualquer outro país do mundo, um jovem de 15 anos com o tamanho dele provavelmente não acabaria na pista. Nos EUA, ele teria se tornado um jogador de futebol americano ou de basquete. O próprio Bolt queria ser um jogador de futebol ou de críquete e foi apenas porque a Jamaica tem uma forte cultura de corrida de velocidade que ele acabou nela.
Da Jamaica ao Ártico, você viajou bastante à procura de respostas para por que alguns atletas são tão bons. Alguma conclusão?
Posso dizer que a chave para uma nação se sobressair num esporte é ter atletas certos no lugar certo. Esta é a razão por que, por exemplo, a Austrália ganhou dez vezes mais medalhas per capita do que os EUA quando as Olimpíadas foram em Sidney. Eles começaram a colocar atletas nos esportes que melhor se adequam à sua fisiologia. China e Reino Unido fizeram o mesmo quando sediaram as Olimpíadas, e o Brasil deve fazer o mesmo! Na Jamaica, há um gostoso clima de Copa do Mundo nas competições nacionais de jovens do Ensino Médio. Também foi incrível conhecer uma pista de terra no Quênia, onde medalhistas treinam junto de ovelhas. Pessoalmente, acho que parte da beleza do esporte é que ele é um grande palco para a diversidade humana.
Você se surpreendeu com a história de algum atleta?
Foi surpreendente entrevistar um saltador e uma triatleta que entraram no esporte por acaso e acabaram se tornando campeões mundiais. Eu não sabia se era possível, mas é. Chrissie Wellington, uma das maiores atletas de ironman, nunca tinha andado de bicicleta antes dos 27 anos. Não teve dez anos ou dez mil horas de treino. Mas sua carreira, do início à aposentadoria, incluindo alguns títulos mundiais, durou apenas cinco anos.
Matéria publicada em Portal O Globo